Quando nos deparamos com a micela digestiva que é a vida, vemos que as gorduras nos invadem causando certo mal. Estas maleficências são as angústias que nos perseguem e nos escalpelam no decorrer da vida. Sônia, mais conhecida como Sininho, um apelido nada estranho, quando pensar do ponto em que seus colegas, ou amigos, como queira, deram-na por conta do Peter Pan, já que ela vivia comendo biscoitos e assistindo o filme milésimas vezes. Ridículo? É, talvez... Mas o interessante é que o fato de ter um apelido advindo de uma personagem do clássico infantil a empregava muito bem, pois ela vivia uma história de magia e, ao mesmo tempo, de desesperança. Não vou me ater em muitos detalhes, até porque, a vida desta pequena mulher, sim, pequena, mesmo, de estatura, é relevantemente cheia de detalhes.
Como toda história que costumo contar, essa não sai dos moldes, relata a alma de uma mulher apaixonada. Sim. Apaixonadíssima. Porém... (Sempre tem que ter um "todavia" na história).
Ele ainda não sabia; ou melhor, ele nem se quer imaginava. E pior ainda, Sônia sentia-se feia, mal-acabada, esquisita. Não! Ela não era nada disso, o único problema era seu peso. Noventa e cinco quilogramas. Uma massa alta; em contrapartida, uma autoestima extremamente baixa.
O que fazer quando se ama alguém, mas nem mesmo aparência tem para fazer a outra pessoa enxergar que você existe? Este era o drama. Por estar acima do peso; uma defasagem metabólica, mas também, hereditária, causava-lhe muito incômodo; causava-lhe raiva de ser daquela maneira, de ter aqueles seios enormes, maiores que dois melões. Sentia-se ridícula perto dos outros, sentia-se menosprezada pelos demais (talvez isso não acontecesse realmente, mas ela estava tão perturbada e desgostosa com seu corpo que só via preconceito nos olhos alheios).
Sônia... "Sônia bojão", este era um dos xingamentos que ouvira quando menor; na época do colégio era demasiadamente constrangedor passar por aquilo, e ela passou por isso. Sofreu atuação intensa do bullying; era daquelas que pedia socorro às professoras, corria à coordenadora; porém, nada se resolvia, apenas ouvia: "Calma, menina, eles não sabem o que estão dizendo", ou ainda, "Vocês são crianças, é brincadeira dos outros, não leve a mal"... Bom, deu pra perceber que a vida desta pequena e grande moça não foi fácil.
Hoje, na faculdade, não sofria preconceito, tinha colegas, e alguns fiéis amigos. A situação havia melhorado; menos sua obesidade, esta só aumentava.
Preocupante... Uma questão de saúde se restaurava, era preciso que ela tentasse uma cirurgia; uma maneira de diminuir o peso, já que os exercícios já não eram mais eficazes.
Solidão...
Pegava-se pensando nele... Diogo... Era o nome dele.
Ele era um rapaz acabrunhado, nele só ela via beleza, as moças também não davam-no atenção; mas era magro. Ou melhor, tinha um corpo bacana. Ela adorava, queria-o para si.
O tempo passou, Sininho já não aguentava esconder ou manter sua paixão guardada. Pediu a uma amiga que o chamasse num canto. Ela era corajosa além de tudo. Neste cantinho, ela se revelou, disse tudo, todas as palavras, abriu-se, desabafou intensamente.
Ele... Ele olhou-a com espanto. Sininho dava quatro dele e mais um pouco. Não respondeu, ficou chocado no que ouvira.
Ela já saia, cabisbaixa e lágrimas ameaçavam marejar dos seus olhos, quando um toque a fez virar-se, deparando-se com o semblante mais lindo do mundo. Diogo. Abraçou-na e deu-na um selinho. Ela ficou radiante. Quase o esmagou num abraço.
Pronto... Tudo feliz, agora! ... Não, espere! Ainda não estava nada feliz, nada mesmo... Sininho continuava gorda e desgostosa... O período de desconfiança reinava-se, tinha medo de perder o namorado, a insegurança a abatia; por ser gorda, sentia-se inferior às outras mulheres.
Começaram a brigar continuamente...
Achou uma solução... Resolveu, depois de juntar algum dinheiro: uma cirurgia. Fez.
Perdeu grande parte do peso. Parecia-se melhor, sentia-se mais feliz; a autoestima elevada. Notou seus seios menores, sua face menos inchada, conseguia dobrar as pernas. Enfim, estava sentindo-se bem...
No entanto, seu prazer em ser magra não durou muito... Diogo a disse adeus! Gostava dela, havia se apaixonado por aquela gordinha; amava-na daquela maneira e sabia que ela só tinha feito aquilo para garanti-lo ao seu lado. Enganou-se. Ele nunca a trairia, porque enxergava nela não a beleza física, mas sim, a beleza interior, a paixão, o amor que tinha por ela, era sim, grande o suficiente para tirar do seus olhos a ilusão pela beleza física ideal.
Magra, com sequelas da cirurgia, Sininho permaneceu em suas penumbras, ausente de alguém que amava... ao menos por um tempo.
Mesmo que o porte físico não seja agradável aos olhos da mídia, saiba que nenhuma micela é potencialmente mais poderosa do que qualquer amor.
Autoconfiança é tudo!
Adorei a abordagem.....O final dela nos diz como algumas coisas só são "feias" aos olhos da sociedade, que é egoísta, preconceituosa e estereotipada.
ResponderExcluirExatamente isso que eu quis passar, Lu!
Excluir