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VELA ACESA

Photo by Bruno Silva

Ela voava. Voava como nunca tinha voado. Havia cambalhotas, giros no ar. Havia uma onda de ventos que atacava as demais, que também estavam ali. Havia acrobacias no espaço, um pouco de habilidade e uma maneira inusitada em bater as asas.

Pousou. Suas pernas meigas - às vezes confundidas a débeis -, relaram num áspero e espesso chão. Era solo - era argissolo vermelho como Urucum. Ela pausou por um tempo. Olhou o horizonte. Viu raios que fogueavam o céu. Não havia estrelas; havia sons, gemidos indefinidos, que para ela eram ataques a sua natureza. Era medo.
Seus olhos marejavam e um estupor vivaz fez-se em sua minúscula boca, saindo um tremendo soluço de maneira involuntária. Uma amiga deu-lhe a mão e ela agarrou com sofreguidão àquela. Sorriu...
Não houve uma súplica resistiva por ficar naquele local; deitou-se em meios brandos e acasalou-se em ternuras de um afago amigável. Deliciou-se em abraços...
Deu-se a um olhar... Novamente viu o céu, que brilhava, agora, em estrelas. Era luar. Era noite. Era gota a gota molhando o argissolo, que se modificava em barro saliente – pegajoso.
No dia seguinte, quando um tempo nublado aflorou, ela gemeu de dor e sentiu, como ninguém, que algo a esperava. Talvez seu destino já estava traçado, talvez nada do que pensou ser, realmente o era. Talvez... Talvez... Foram tantos!
Ainda tonta, tentou mover seus músculos – uma das asas se mexeu uniforme, num grau ainda que julgado elevado para sua situação. Deu uma cambalhota e meia. Caiu. Feriu seu pequeno rosto cansado.
A amiga já tinha ido. Não havia ninguém por perto. Não havia ajuda. Uma gota tocou o chão, esta vinda de seu olho direito, que umedeceu o argissolo.
Suja, impregnada da pastosa e saliente lama, não mediu forças; ficou ali. Ficaria ali até quando fosse possível, até quando não aguentasse mais, até que toda sua cor se juntasse ao brilho molhado daquele chão e ela fosse apagada.

Não havia como deter – era melancolia por sofrer só. Era choro. Era pedido. Era... Era uma vez uma... que deixou de existir, para que o futuro reinasse após aquela perda. O argissolo a engoliu de maneira feroz e sem piedade. Não eram mais asas, nem pernas débeis, era decomposição no húmus; na coleta seleta da natureza que ela tanto lutava para estar bem. Antes fosse vela apagada.

Obrigado por ler até aqui!

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