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Põe a cara no sol você também! (Autobiografia)

Nasci. Como todo mundo, chorei e abri os olhos. Vi o mundo! E que mundo... Que esfera é essa? Sou um menino, ou pelo menos é assim que chamam os que nascem com uma pequena protuberância entre as pernas, melhor localizado, ali, na pelve. Bom, se isso é o correto ou não, aí eu já não sei... (mas, particularmente falando, descordo desse conceito imposto pelos fundamentalistas. Será que as pessoas precisam ser rotuladas?...). De qualquer maneira, vou continuar minha história.
O processo de crescimento não foi muito fácil para mim; sempre me senti um pouco fora desse universo em que as estrelas brilham para poucos... Mas, sem dúvidas, a lua era minha, ou melhor, continua sendo - amo a lua. Nunca me coube essa fala: "A flor reflete a delicadeza de uma mulher"... Por que eu, homem (assim chamado), não posso também ser tão sensível quanto uma flor? Ou ainda, ser tão meigo e cheiroso quanto suas pétalas?... (Isso sempre me causou transtornos...). Perguntava-me: eu posso ser quem eu sou, ou preciso ser quem as pessoas querem que eu seja? Há de concordar que essa é uma questão um tanto complexa para uma criança de dez anos, você não acha? Foi nessa idade em que minhas dúvidas floriram. 
Por que eu tenho que brincar de carrinho se eu gosto mais de dar vida a seres inanimados, como as bonecas? Por que eu tenho que ver futebol e, ainda, ter o prazer em jogá-lo, se minha sensibilidade é aflorada à arte da pintura e da escrita? Por que eu tenho que me privar sempre dos meus atos, pois se eu desmunhecar isso refletirá fragilidade e remeterá a atitudes femininas? Às vezes me questionava se não teria sido melhor eu ter nascido mulher, elas não precisam provar nada a ninguém, elas somente nascem, e são elas mesmas em sua personalidade.

Quanto mais tempo passava - quanto mais eu vivia - enxergava um mundo fora do meu eu, da minha noção e da minha espiritualidade, ou alma. Passava aí por um processo de desconhecimento da minha identidade... Por que sou diferente dos outros meninos? Eles se encontram neste mundo? Será que o problema sou eu? Ou é eles, que estão conformados com essa realidade? Isso é real, eu sou diferente? Dúvidas perpassavam minha mente, e o pior de tudo, eu não tinha coragem de relatá-las, ou tentar externalizá-las a alguém, porque a opressão feita por mim internamente já me deixava deverás desorientado e com medo de tentar falar do assunto.
As penumbras permaneceram por um longo tempo; se não dizer que elas ainda permanecem presentes, mas hoje com outro foco.
É muito triste se olhar no espelho e não conseguir se enquadrar em um padrão. Até porque os padrões estão aí, para qualquer um. A minha formação de opinião a respeito da alienação, ou da imposição desses padrões à sociedade, era escassa; mal conseguia falar ou ter argumentos. Este foi, sem sombras de dúvidas, um dos períodos mais tenros da minha vida.
O dias passavam, as semanas, os meses, e enfim, os anos, e eu crescia. Concomitantemente, algo  a mais desabrochava intrinsecamente em mim: o desejo. Mas não era um simples desejo, era uma atração por pessoas do mesmo sexo, ou seja, por homens. Os traços masculinos sempre me chamaram a atenção, sempre! O dorso; os músculos; os pelos; a barba; o cheiro.
Quando entrei de verdade na puberdade pude constatar isso com mais propriedade; pude realmente ver que tinha nascido "diferente" da maioria dos garotos, os quais, nessa idade, trocavam revistas ou imagens de mulheres nuas; eu queria trocar também imagens, mas estas seriam de homens nus; porém, essa oportunidade me era ofuscada ou inalcançável, porque meu medo de alguém saber que eu era diferente e que tinha desejos "obscuros" (levando em conta a religião, que sempre esteve presente na minha família), fazia com que eu me escondesse, e temesse muito a descoberta um dia desse segredo.
As tentativas de masturbação pensando em uma possível mulher ocorreram, mas todas em vão. Era muito mais excitante ver meu pênis jorrando esperma quando pensava em um homem, em uma pessoa que também tivesse o mesmo órgão sexual que o meu... podia ser o vizinho, o encanador, o mecânico, o amigo do meu pai, ou sei lá, o garoto pelo qual me apaixonei pela primeira vez na escola (eu tinha quatorze anos). E sim, já me apaixonei, e isso me trouxe transtornos mentais horríveis, que não desejo a ninguém. Uma mente saudável é o grande segredo para uma vida plena e satisfatória.
Bom, as lutas contra o meu vício ou obsessão (na época, eu achava que era doente) por homens, me fez cometer tentativas de suicídio - lógico, nenhuma delas deram certo, estou aqui, vivo. A minha vontade em ser como a maioria era grande; sofria a cada ejaculação provida por pensamentos eróticos em um homem... Era uma época em que eu me condenava muito. E tudo isso advinda da religião fortemente empregada, na qual eu sempre tinha ouvido que a relação entre dois homens seria algo abominável e pecaminoso; como também, da sociedade machista que me cercava, e que ainda permanece nos dias atuais, infelizmente.
Realmente cresci! Tive minha primeira experiência sexual com outro homem aos dezoito anos. E posso te dizer uma coisa: foi bom, consegui sentir prazer e ser correspondido em meus instintos. Por toda essa trajetória, fatos e fatos aconteceram, pessoas e pessoas passaram por minha vida, objetos, sensações, músicas, lágrimas, uma verdadeira série sem fim, aconteceu, e tudo fizeram parte do meu crescimento e da construção da pessoa que sou hoje.
Atualmente eu sou um estudante, aliás, um bom estudante, que busca sempre o conhecimento mais verossímil e honesto dentro da nossa realidade; sou escritor, este que vos fala; e além de tudo, sou gay (ou homossexual, como queiram), e não tenho mais medo ou receio de dizer isso para quem quer que seja, porque eu sei (estudei) que a homossexualidade não é uma doença, sei que nascemos gays e vamos morrer gays, sei que a homofobia existe, mas tenho argumentos e contra-argumentos para persuadir situações e desconstruir preconceitos. Sei ainda, que sou humano acima de qualquer coisa, e que nunca deixei de ser quem eu sou, ou quem eu era, por ser gay; jamais fingi ser alguém diferente, e isso perpassa na construção de todo o meu caráter.
Enfim, hoje, sem ter pretensão nenhuma com uma data especial, decidi deixar claro que sou gay (minha orientação), homem cis (meu gênero), que também me identifico no sexo masculino, e ainda, muito macho (sem deixar de lado a feminilidade)! Porque para se assumir à família e para toda a sociedade tem que ser homem, mas não só homem na palavra, homem na atitude!

Seja sempre você mesmo, não se esconda por conta da sociedade. Seja feliz!
Tenha coragem e siga meu exemplo, lute por seus direitos!
Espero que essa minha atitude encoraja outras pessoas a deixarem as penumbras de um vida de mentiras e retrocesso!

Viva a diversidade sexual!


** Esse depoimento é verdadeiro (os fatos são reais) e conta um pouco da trajetória do escritor e blogueiro Bruno Silva, autor deste blog e fanático por pessoas que sabem lhe encantar.










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